Etno-história da homossexualidade na América Latina
por Luiz Mott
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"A homossexualidade deve ser um desafio e não um tabu para a Ciência, dizia já em 1957 G.A. Silver e não obstante tal sugestão, injustificado complô do silêncio continua a barrar da Academia os estudos sobre "o amor que não ousa dizer o nome" (Oscar Wilde). Já em 1927, B.Malinowski, um dos pais da Antropologia moderna, chamava a atenção para a importância de estudar temas da sexualidade humana tirando "a folha de parreira que cobre o sexo" . Não obstante, neste final do segundo milênio de nossa civilização, o estudo do amor e erotismo entre pessoas do mesmo gênero ou continua proibido, ou é considerado tema marginal e de menor importância no meio univercitário. Se ponderarmos que os gay) e lésbicas representam por volta de 10% da população dos países ocidentais , concluiremos que somente o preconceito e discriminação poderiam explicar o desprezo pelo conhecimento de tão significativo contigente demográfico. Em seu recente livro sobre as unões entre homoxessuais na Europa pré-moderna, J.Boswell adverte-nos quão ilógica e cruel tem sido a nossa cultura, notadamente após o século XIV, ao eleger a homossexualidade como o maior e mais horroroso de todos os tabus sexuais. O "pecado nefando", isto é, aquele cujo nome não pode ser mencionado - e muito menos praticado! - foi considerado pela moral judaico-cristã como mais grave do que os mais hediondos crimes anti-sociais, como por exemplo, o matricídio, a violência sexual contra crianças, o canibalismo, o genocídio e até deicídio - todos pecados-crimes mencionáveis, enquanto só o abominável pecado nefando de sodomia foi rotulado e tratado como nefandum .É pois com o objetivo de quebrar o silêncio e tabu que ainda cercam o amor entre pessoas do mesmo sexo em nosso continente, que faz-se importante resgatar a história e antropologia da homossexualidade na America Latina. Reunindo informações bibliográficas de difícil acesso, geralmente inexistentes nos compêdios tradicionais, minha intenção, além de esboçar um quadro geral de homoerotimo em diferentes áreas culturais desta parte do orbe, é estimular outros pesquisadores nativos a aprofundar as pista aqui apresentadas, não apenas visando o deleiteintelectual, diletante ou fetichista, mas tendo em vista o reconhecimento dos direitos de cidadania deste buliçoso segmento social cujos direitos humanos são negados e vilipendiados na maior parte dos países latino-americanos, inclusive dentro das próprias universidades. Para facilitar esta análise, dividimos este trabalho em três partes, a saber: a homossexualidade na América pré-Colombiana; a repressão aos sodomitas na América Latina Colonial e a situação dos gays e lésbicas latino-americanos hoje.Portanto, antecipando algumas das conclusões desta pesquisa, valeria destacar que o estudo da etno-história do homoerotismo na América Latina reveste-se de particular interesse para diferentes ramos da Historiografia, notadamente para os estudos das mentalidades, do quotidiano e da sexualidade. Os dados aqui coligidos permitem avançar a discussão sobre a própria teoria da Homossexalidade, ratificando de um lado a universalidade temporal e especial das práticas homófilas, desmisficando assim a acusação vulgar de que teriam sido os europeus os introdutores do "vício filosófico" (Voltaire) no Novo Mundo. Outra questão sugerida pelos dados aqui apresentados remete-nos a um dos impasses teóricos mais candentes e ainda não resolvidos pelos estudiosos deste tema: até que ponto o conceito de homossexulidade pode ser usado com propriedade heurística para descrever e interpretar as relaç·es unissexuais do mundo extra-europeu? Deixarei ao leitor, no final deste trabalho, retirar suas próprias conclusões quanto a esta polêmica que coloca de um lado os essencialistas e do outro, os construtivistas sociais.
"A homossexualidade deve ser um desafio e não um tabu para a Ciência, dizia já em 1957 G.A. Silver e não obstante tal sugestão, injustificado complô do silêncio continua a barrar da Academia os estudos sobre "o amor que não ousa dizer o nome" (Oscar Wilde). Já em 1927, B.Malinowski, um dos pais da Antropologia moderna, chamava a atenção para a importância de estudar temas da sexualidade humana tirando "a folha de parreira que cobre o sexo" . Não obstante, neste final do segundo milênio de nossa civilização, o estudo do amor e erotismo entre pessoas do mesmo gênero ou continua proibido, ou é considerado tema marginal e de menor importância no meio univercitário. Se ponderarmos que os gay) e lésbicas representam por volta de 10% da população dos países ocidentais , concluiremos que somente o preconceito e discriminação poderiam explicar o desprezo pelo conhecimento de tão significativo contigente demográfico. Em seu recente livro sobre as unões entre homoxessuais na Europa pré-moderna, J.Boswell adverte-nos quão ilógica e cruel tem sido a nossa cultura, notadamente após o século XIV, ao eleger a homossexualidade como o maior e mais horroroso de todos os tabus sexuais. O "pecado nefando", isto é, aquele cujo nome não pode ser mencionado - e muito menos praticado! - foi considerado pela moral judaico-cristã como mais grave do que os mais hediondos crimes anti-sociais, como por exemplo, o matricídio, a violência sexual contra crianças, o canibalismo, o genocídio e até deicídio - todos pecados-crimes mencionáveis, enquanto só o abominável pecado nefando de sodomia foi rotulado e tratado como nefandum .É pois com o objetivo de quebrar o silêncio e tabu que ainda cercam o amor entre pessoas do mesmo sexo em nosso continente, que faz-se importante resgatar a história e antropologia da homossexualidade na America Latina. Reunindo informações bibliográficas de difícil acesso, geralmente inexistentes nos compêdios tradicionais, minha intenção, além de esboçar um quadro geral de homoerotimo em diferentes áreas culturais desta parte do orbe, é estimular outros pesquisadores nativos a aprofundar as pista aqui apresentadas, não apenas visando o deleiteintelectual, diletante ou fetichista, mas tendo em vista o reconhecimento dos direitos de cidadania deste buliçoso segmento social cujos direitos humanos são negados e vilipendiados na maior parte dos países latino-americanos, inclusive dentro das próprias universidades. Para facilitar esta análise, dividimos este trabalho em três partes, a saber: a homossexualidade na América pré-Colombiana; a repressão aos sodomitas na América Latina Colonial e a situação dos gays e lésbicas latino-americanos hoje.Portanto, antecipando algumas das conclusões desta pesquisa, valeria destacar que o estudo da etno-história do homoerotismo na América Latina reveste-se de particular interesse para diferentes ramos da Historiografia, notadamente para os estudos das mentalidades, do quotidiano e da sexualidade. Os dados aqui coligidos permitem avançar a discussão sobre a própria teoria da Homossexalidade, ratificando de um lado a universalidade temporal e especial das práticas homófilas, desmisficando assim a acusação vulgar de que teriam sido os europeus os introdutores do "vício filosófico" (Voltaire) no Novo Mundo. Outra questão sugerida pelos dados aqui apresentados remete-nos a um dos impasses teóricos mais candentes e ainda não resolvidos pelos estudiosos deste tema: até que ponto o conceito de homossexulidade pode ser usado com propriedade heurística para descrever e interpretar as relaç·es unissexuais do mundo extra-europeu? Deixarei ao leitor, no final deste trabalho, retirar suas próprias conclusões quanto a esta polêmica que coloca de um lado os essencialistas e do outro, os construtivistas sociais.
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A homossexualidade na América pré- colombiana
A homossexualidade na América pré- colombiana
"Ultra Oequinotialem no peccari." (Ditado Ibérico do Século XV)Para se estudar as práticas homossexuais no Novo Mundo quando da chegada dos conquistadores europeus, dispomos basicamente de três fontes: Esculturas e Cerâmicas representando cenas homoeróticas;mitos conservados na memória oral dos nativos e registrados nos manuscritos tradicionais; relatos dos primeiros cronistas que entraram em contacto com os amerídios e finalmente, estátuas e gravuras alusivas ao homoerotismo.Conforme relata Gonzalo Fernandez de Oviedo, em sua História General y Natural de las Indias, (1535) o gosto pelo vício nefando se espalhava não só por toda área circum-caribe, mas também ao longo da Tierra Firme, atual costa da Venezuela e Colômbia, "onde muitos índios e índias eram sodomitas." Observou escandalizado que "em algumas partes destas Indias, traziam como jóia a um homem por sobre o outro, naquele diabólico e nefando ato de Sodoma, feitos de ouro. Eu vi uma destas jóias do diabo que pesava vinte pesos de ouro, muito bem lavrado, que se tomou no Porto de Santa Marta na costa de Tierra Firme,no ano de 1514... Assim, quem taos jóias valoriza e compõe sua pessoa, certamente usará de tal maldade na terra onde trazem tais erros, ou se deve teer por coisa usada, ordinária e comum". Também Francisco Lopez de Gomara (1552) refere-se à presença de ídolos homossexuais entre os nativos mexicanos de Sant Anton: "Acharam entre umas árvores um idolozinho de ouro e muitos de barro, dois homens cavalgando um sobre o outro à moda de Sodoma".Por ocasião da descoberta da Península de Yucatan, encontraram os espanhóis outra comprovação escultórica de que os Maias prestavam culto ao amor unissexual: "Tenian muchos idolos de barro, unos como con caras de demonios y otros como de mujeres y otros de malas figuras, de manera que al parecer, estaban haciendo sodomias los unos indios com los otros".Também na América do Sul, na região dos Andes, foram encontradas provas arqueológicas confirmando a prática do homoerotismo antes da chegada dos europeus. Há notícia de que os espanhóis teriam igualmente encontrado e derretido no Peru estátuas em ouro representando cópula anal entre dois homens. Preservaram-se contudo até nossos dias diversas peças de cerâmica, reservatórios de água ou moringas, onde exímios artistas pré-incaicos esculpiram na argila, cenas explícitas de homoerotismo. Na célebre coleção de cerâmica erótica Mochica coletada pela Família Larco, com data anterior a 1.000 A.D., 3% das peças retratam realisticamente cenas de penetração per annum.Além dos ídolos mexicanos e das cerâmicas peruanas, outra importante fonte pré-colombiana para se conhecer a prática da homossexualidade no Novo Mundo é a coleção dos célebres Códices Maias - como El Chilan Balam, El Popol Buj (Livro del Consejo) e as Profecias Maias - obras pictográfico-hieroglíficas que tratam da história mitológica e costumes desta civilização. Através destes manuscritos, notadamente do Códice Vaticano nº3738, constata-se que no panteão asteca, ocupava lugar proeminente a deusa Xochiquetzal, divindade hermafrodita, protetora do amor e da sexualidaade não procriativa, a qual, quando representada como homem, tornava-se o deus Xochipilli, padroeiro da sexualidade masculina, controlador das doenças sexualmente transmissíveis. Segundo estes Códices, os Maias dividiam a história mitológica do mundo em diferentes períodos, sedo a Quarta Idade, a que precede o período anterior à chegada dos Europeus, também chamada de Idade Negra ou Idade das Flores, tinha como patrona Xochiquetzal, símbolo do sexo e da sensualidade. "Esta es la edad em que los vícios, la molicie, el abandono de las costumbres austeras se instalan entre los hombres. Es la edad en que se olvidan las virtudes viriles de los guerreros y de los magistrados, se ensalza la vida blanda, facil y pervertida. Es la sublimación de la Danza de Las Flores, de las Grinaldas y del afeminamiento. Es el imperio de los mostradores del dorso, segun el Codice Chilan Balam.São contudo os relatos dos primeiros cronistas contemporâneos às conquistas do Novo Mundo, a fonte principal comprobatória da existência, grande extensão e variedade das práticas homossexuais na América Latina.Já Fernan Cortez, na sua primeira Carta de Relación, enviada ao Imperador Carlos V em 1519, dizia: "Soubemos e fomos informados com certeza que todos [os índios] de Vera Cruz sãon sodomitas e usam daquele abominavel pecado, acrescentando Lopez de Gomarra que os nativos do Rio Panuco e adjacências eram " grandissimos putos ", usando o mesmo termo corrente desde a Idade Média em toda Península Ibérica, injustamente associando os homossexuais às prostitutas.Tarefa extremamente difícil é avaliar o grau de objetividade ou subjetividade destas informações, pois nalguns casos, parece que os cronistas tendiam a exagerar os hábitos pecaminosos dos selvagens, exatamente com o escopo de justificar a conquista, redução ou genocídio dos mesmos. Gomarra e outros cronistas associam a sodomia à impiedade:" como não conhecem o verdadeiro Deus e Senhor, estão em grandíssimos pecados de idolatria, sacrifícios de homens vivos, comida de carne humana, fala com o diabo , sodomias, etc.Quanto aos astecas, nota-se clara contradição entre os primeiros observadores. Diaz del Castillo aponta-os como grandes amantes do homoerotismo, enquanto o franciscano Frei Bernardino de Sahagun exime-os desta abominação, ambos concordando, no entretanto, quanto à afeminação e travestismo como elementos estruturais da prática homossexual masculina: "Eram todos los demás dellos sométicos, en especial los que viviam en las costas y tierra caliente, en tanta manera que andaban vestidos en hábito de mujeres, muchachos a ganar en el diabolico y abominable vicio". O citado missionário franciscano assim descreve os costumes destes nativo na sua História General de las cosas de Nueva España: "O somético paciente é abominável, nefando e detestável , digno de desprezo e do riso das gentes; o fedor e fealdade de seu pecado nefando não se pode sofrer, pelo nojo que causa aos homens. Em tudo se mostra mulheril e efeminado, no andar ou falar , e por tudo isso merece ser queimado". Também Frei Barlomé da las Casas defende os nativos que missinou de serem muito afeitos às nefandices, ressaltando os especialistas nas civilizações maias e astecas a contradição notada entre uma mitologia extremamente dionisíaca, valorativa inclusive do hermaforditismo e da homossexualidade, ao lado de um prática moral bastante repressiva, do tipo apolíneo, prevendo até a pena de morte para certos casos de homossexualismo. "Aceita ou rechaçada, honrada ou severamente castigada, segundo a nação onde era praticada, a homossexualidade estava presente do Estreito de Berhing ao de Magalhães", conclui com maestria Antonio Raquena, o primeiro estudioso das "anormalidades sexuales de los aborigenes americanos".Inúmeros são os relatos de cronistas, viajantes e missionários descrevendo a presença de índios homossexuais e travestis entre as tribos e nações da atual América do Norte, onde os famosos berdaches chegaram a ser retratados em pitorescas gravuras do século XVII. Praticada pelos maias, astecas e caribes, a homosssexualiade também teve muitos adeptos em diferentes civilizações dos antigos imperios andinos da Colômbia ao Chile, incluindo os Chavin, Tiahuanaco, Nazca, Chimu, notadamente os Incas e Chibchas. Em sua Crônica del Peru, Cieza de Leon observou que "para os ter o demônio mais presos nas cadeias de sua perdição, nos oráculos e adoratórios onde se falava com o ídolo e dava as respostas, fazia entender que convinha para seu serviço, que alguns moços desde pequeninos estivssem nos templos para que a seu tempo, cuando fossem feitos os sacrifícios e festas solenes, os senhores e outros principais, usassem com eles no maldito pecado de sodomia. Segundo o Padre Domingo de Santo Tomás, geralmente entre os serranos e Yungas, em cada templo ou adoratório principal, têm um homem ou mais, segundo o ídolo, os quais andam vestidos como mulheres e um suas maneiras e trages e tudo o máis, arremedam a elas. Com estes, quase por via da santidade e da religião, têm nas festas e dias principais seu ajuntamento carnal e torpe, especialmente os principais senhores. Eles davam a entender que tal vício era uma espécie de santidade e religião. A associação entre homosexualidade e xamanismo e outras manifestaões religiosas é tema fartamente documentado em incontáveis culturas, em todos continentes e ao longo de toda história humana. A própria suposta condenção do Antigo Testamento ao homoerotismo masculino, segundo os exegetas modernos, deve-se muito mais à execração da prostituição viril praticada nos templos, do que à condenção per se da unissexualidade.Também entre os aborígenes do Brasil e das partes mais meridionais da América do Sul abundam evidências de que os amores homosexuais faziam parte das alternativas eróticas socialmente aceitáveis antes da chegada dos conquistadores portugueses. Entre os Tupinambá, que ocupavam a maior parte da costa brasileira, os índios gays eram chamados de tibira, e as lésbicas de çacoaimbeguira. Eis como são descritos no Tratado Descritivo do Brasil em 1587: "Não contentes em andarem tão encarniçados na luxúria naturalmente cometida, são muito afeiçoadas ao pecado nefando, entre os quais se não tem por afronta. E o que se serve de macho se tem por valente e contam esta bestalidade por proeza. E nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas". Eis como outro cronista, Gandavo, já em 1576 descrevia a conduta das mulheres-machos: "Algumas índias há que não conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão ainda que por isso as matem. Estas deixam todo o exercício de mulheres e imitam os homens e seguem seus ofícios como se não fossem fêmeas. Trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os machos e vão à guerra com seus arcos e flechas e à caça, perseverando sempre na companhia dos homens. E cada uma tem mulher que a serve, com quem diz que é casada. E assim se comunicam e conversam como marido e mulher". Provavelmente foram estas índias ultra masculinizadas, as çacoaimbeguira que ao serem vistas lutando contra os espanhois no Rio Marañon, foram confundidas com as legendárias Amazonas, mito que propagou-se por todo o continente americano, muito embora carecendo de qualquer evidência confiável quanto à sua veracidade.Entre os nativos Guaicuru, pertencentes à grande nação Guarani, residentes nas margens do Rio Paraguai, ainda nos finais do Século XVIII, eram encontrados índios homosexuais que além de travestirem-se, eram totalmente identificados com o estilo de vida do sexo oposto: "Entre os Guaicurus e Xamicos, há alguns homens a que estimam e são estimados, a que chamam cudinhos, os quais lhes servem como mulheres, principalmente em suas longas digressões. Estes cudinhos ou nefandos demônios, vestem-se e se enfeitam como mulheres, falam como elas, fazem só os mesmos trabalhos que elas fazem, trazem jalatas, urinam agaxados, têm marido que zelam muito e têm constantemente nos braços, prezam muito que os homens os namorem e uma vez cada mês, afetam o ridículo fingimento de se suporem menstruados, não comendo como as mulheres naquela crise, nem peixe nem carne, mas sim de algum fruto e palmito, indo todos os dias, como elas praticam, ao rio, com uma cuia para se lavarem"À guisa de conclusão desta primeira parte, com base nos principais estudos sobre homossexualidade na América Latina e Caribe, assim como em monografias antropológicas e históricas consagradas à diferentes culturas desta região, enumero a seguir a lista das etnias indígenas, do passado e do presente, sobre as quais há evidência arqueológica, histórica, etnográfica ou linguística, comprobatória da prática do homossexualismo.- México: Albardaos, Cipacingo, Itza, Jaguaces, Panuco, Sinaloa, Sonora, Tabasco, Tahus, Tlasca, Yucatecas, Maias e Astecas.- Panamá: Dairen, Panamá.- Colombia: Bogotá, Cayos, Chinatos, Chitarero, Guaira, Gauticos, Laches, Lile, Kagaba, Kogi, Mosca, Matilones, Urabaes, Zamba.- Peru: Camana, Cañares, Carauli, Chibchas, Chinchas, Chincamas, Conchuco, Guanuco, Huayllas, Manta, Peru, Picta, Quellaca, Tarama, Tumebamba e os nativos de Puerto Viejo, Isla de Plata, Isla de Puna, Santa Helena, San Miguel, Serranos.- Venezuela: Achaguas, Bobure, Capechos, Caribana, Caribes, Chiricoa, Ciparicote, Coquibacoa, Salivas, Timotes, Warao, Ypuies, Itatos.- Bolivia: Chiguano, Wachipaeri.- Chili: Araucanos, Mapuche, Pataões.- Brasil: Boróro, Tupinambá, Guatos, Panaré, Wai-Wai, Xavante, Trumai, Tubira, Guaicuru, Xamico, Kainagaig, Nambiquara, Tenetehara, Yanomani, Mehinaku, Camaurá, Cubeo, Guaiaquil.
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Repressão aos sodomitas na América Latina colonial
"Raça sobre a qual pesa uma maldição e deve viver na mentira e no perjúrio, visto que sabe ser tido por punível e vergonhoso, por inconfessável, seu desejo, o que faz para toda criatura a maior doçura de viver."(M. Proust, 1921).
Apesar da sodomia ser considerada pela Cristandade como "o mais torpe sujo e desonesto pecado", punida como crime hediondo equivalente ao regicídio e à traição nacional, merecedores os homossexuais da pena de morte na fogueira, não obstante tamanho tabu e discriminação, à época das grandes descobertas, floresceu na Península Iberica intrépida e heróica sub-cultura gay nalgumas partes mais visível e ousada do que a existente em países europeus fora da esfera inquisitorial.Malgrado os anátemas dos missionários e primeiros cronistas contra os índios praticantes do mau pecado, a despeito da perseguição desencadeada pelos conquistadores e autoridades contra tal crime - lembremo-nos do cruel genocídio praticado por Vasco Balboa, em 1513, o qual, no istmo do Panamá, encontrando numeroso séquito de nativos homossexuais, prendeu quarenta deles que foram devorados por cães ferozes, conforme narra Pietro Martire e retrata dramatica gravura da época apesar da violenta perseguição homofóbica capitaneada pela Inquisição, o certo é que desde os primórdios da colonização, sodomitas europeus encontraram no Novo Mundo espaço privilegiado para a prática do homoerotismo. A extensão e isolamento dos novos territórios, a nudez e maior liberdade sexual dos nativos e escravos, a frouxidão moral dos muitos desclassificados sociais que vieram arriscar a sorte nas Américas, ou para cá foram degredados, são fatores que facilitaram a propagação da homossexualidade nas novas conquistas. Acrescente-se ainda outro elemento facilitador da homossexualização notadamente da América portuguesa: 18% dos sodomitas condenados ao degredo pelo Tribunal do Santo Ofício de Lisboa foram enviados para o Brasil, a maior parte deles reincidindo aqui no vício italiano.Salvo erro, o primeiro sodomita público e notório a pisar nas Américas de que temos notícia foi o jovem português Estêvão Redondo, criado do Governador de Lisboa, D. Manoel Telles, que arribou em Olinda, no nordeste brasileiro, em fevereiro de 1549, "degredado para sempre".Em 1558 é a vez do cirurgião Felipe Correia, inveterado fanchono com nítida tendência ao cross-gender ser degredado para o Brasil: "tinha fama de mulherigo por suas falas e jeitos, bufarão e paciente).Estabelecida em 1536, a Inquisição Portuguesa nunca conseguiu instalar um tribunal autônomo em terras brasílicas, diferentemente do que ocorreu com o Santo Ofício Espanhol, que desde 1571 inaugurou tribunais no México e Peru, e em 1610 em Cartagens de Índias, no litoral colombiano. Infelizmente ainda não foi realizado um inventário de todos os sodomitas latino-americanos presos e processados por estes tribunais de Santa Inquisição. Temos notícias que já em 1548 foram registrados sete casos sodomia na Guatemala, entre estes, o diácomo Juan Altamirano e seu cúmplice, frei José de Barrera, além de um índio, Juan Martin, que ao ser encaminhado para a fogueira foi salvo devido a um distúrbio provocado por quatro clérigos e outos civis. Levantamentos parciais informam sobre a prisão de 19 sométigos no México em 1658; nada consta nas principais obras sobre a atuação inquisitorial no Peru e Chile no tocante ao abominável pecado de sodomia.É para o Brasil que conseguimos localizar o maior número de registros documentais permitindo reconstituir com abundância de detalhes, as principais características da vivência homosexual dos colonos a partir dos finais do século XVI.No capítulo anterior vimos que entre 1591-1620, de um total de 283 culpas confessadas nas duas Visitacões que o Santo Ofício Lisboeta fez a diferentes Capitanias do Nordeste brasileiro, há registro de 44 casos de sodomia (15,5%), sendo, depois da blasfêmia, o desvio mais frequentemente praticado pelos colonizadores. Dos denunciados, 61% eram brancos, 24% mestiços de variegados fenótipos, 9% negros e 6% índios, predominando as relações sodomíticas entre parceiros de diferentes cores, os quais ocupavam toda gama de profissões: de Governador Geral do Brasil, como Diogo Botelho, a sacerdotes, senhores de engenho, funcionários públicos, militares, estudantes, feitores, criados, escravos etc.Tais relação entre homossexuais de cores-classes diferentes e muitas vezes antagônicas, nem sempre refletem a mesma lógica da dominação senhorial heterossexista, pois há vários exemplos de índios e negros que desempenharam o papel ativo quer na iniciativa da sedução, quer na própria relação copulativa, conforme demonstrei em meu trabalho "O Sexo cativo": Alternativas eróticas dos africanos e seus descendentes no Brasil Escravista" Após beneditinho levantamento nos mais de quatro mil denúncias e 400 processos de sodomia arquivados na Torre do Tombo de Lisboa, localizamos até o presente 283 denúncias de brasileiros ou portugueses, residentes no Brasil, infamados de praticarem o pecado de Sodoma. Destes, 32 foram processados, sendo 11 condenados à remar nas galés del Rei, alguns por cinco anos, outros para "galés perpétuas"; 6 foram degredados para áreas remotas da Colônia ou para Africa. Embora nenhum sodomita do Brasil tenha sido condenado à morte na fogueira, há registro da execução de dois homossexuais no Brasil colonial: em 1613, em São Luis do Maranhão, por ordem dos invasores franceses, intigados pelos missionários capuchinhos, um índio Tupinambá, publicamente infamado é reconhecido como tibira, foi amarrado na boca de um canhão, sendo seu corpo estraçalhado com o estourar do morteiro, " para purificar a terra de suas maldades" Em 1678, um segundo martir homossexual é executado na Capitania de Sergipe del Rei: um jovem negro, escravo, "foi morto de açoites por ter cometido o pecado de sodomia”.Quanto às lésbicas, como em 1646 o Santo Ofício Português deliberou excluir a sodomia foemiarum da lista dos crimes pertencentes à sua jurisdição, foi sobretudo nos finais do século XVI que as homossexuais femininas foram vítimas da sanha inquisitorial, mesmo assim, menos reprimidas que os homoeróticos masculinos. Das 29 denúncias de lesbianismo registradas no Nordeste brasileiro, entre 1591-1593, 5 receberam penas pecuniárias e espirituais, 3 foram degredadas e 2 condenadas a açoites públicos.Conforme já referimos, "o amor que não ousava dizer o nome" teve seus adeptos em todas as classes, raças e etnias do Brasil Colonial, sendo praticado tanto nas mansões senhoriais, como nos casebres de escravos e livres pobres; nas casernas, igrejas e mosteiros masculinos e femininos; na zona rural e urbana, incluindo tanto interações esporádicas e fortúitas, com diferentes parceiros, quanto relações estáveis, algumas por décadas seguidas. Em meu estudo "Desventuras de um sadomita português no Brasil Seicentista" reconstruo a vivência homossexual de um violeiro-mercador de fumo, Luiz Delgado e de seus numerosos amantes, primeiro em Évora, no Reino, depois degredado para o Brasil, vivendo ora no Rio de Janeiro ora na Bahia, onde concluo que malgrado a existência de legislação draconiana tanto civil quanto canônica, contra o crime de sodomia, houve espaço na América Colonial para o surgimento de uma incipiente sub-cultura gay, às vezes tímida e clandestina, outras vezes, exibida e frenética, comportando inclusive o exibicionismo desafiador de travestis. O primeiro homossexual travesti que temos notícia no Brasil foi um negro natural do Congo, Francisco Manicongo, escravo de um sapateiro, residente em Salvador, denunciado na Visitação de 1591: "recusava-se trazer vestido de homem que lhe dava seu senhor, [conservando] o costume dos negros gentios de Angola e Congo, onde os negros somitigios que no pecado nefando servem de mulheres pacientes, são chamados de quimbanda, os quais trazem um pano cingido com as pontas por diante que lhes fica uma abertura diante..."Também em Cuba há informação de práticas homófilas entre os escravos nos engenhos de cana de açúcar.Da mesma forma, índios já batizados, vivendo nos arredores dos primeiros núcleos coloniais do Brasil, são apontados como sodomitas, assumindo alguns ofícios e posturas geralmente atribuídas ao sexo frágil, outros acusados de "viverem como marido e mulher, como se amancebados fossem"Tudo leva a crer que também nos demais países latino-americanos, durante o período colonial, existiram não apenas cripto-sodomitas amorfos e isolados, mas um contingente não desprezível de sométicos que apesar de rotulados de maricas, eram suficientemente machos para exteriorizar suas preferências invertidas através de gestos, roupas e adereços próprios de uma sub-cultura sincrética e sui-generis. É para o México, além do Brasil, que dispomos de documentação comprovante de tal hipótese: no ano de 1658 foram denunciados 123 sodomitas vivendo na cidade do México e seus arredores, dos quais 19 foram presos e 14 queimados. Um destes escapou da fogueira por ser menor de 15 anos, recebendo contudo como castigo, 200 açoites e 6 anos de trabalhos forçados. Segundo comentava o Alcaide do Crime da Nova Espanha, D. Sotomayor, "o pecado nefando tem mui contaminado estas províncias", diagnóstico correto, pois dentre as mariquitas presas, constava alguns que por quarenta anos seguidos praticavam somitigarias, "se regalaban unos a otros", chegando a simular prenhez. Entre os denunciados predominavam os índios, mestiços, espanhois, mulatos e até mouriscos e portugueses. Dentre estes destacavam-se os domésticos ou escravos, seguidos dos estudantes e pequenos comerciantes.Como ocorria na península Ibérica, também os sométicos de Nova Espanha assumiam traços e características do sexo frágil, trazendo vestidos de mulheres e tratando-se com nomes femininos: entre os setenciados havia um mulato apelidado Cotita; os mestiços atendiam por La Zangarriana, La Estampa, La Conchita; um alfaiate era La Luma, outro, Las Rosas; o índio Martin tornou-se La Martina de los Cielos e um negro atendia por La Morosa. Eis como se comportava um destes sométicos mexicanos: "O dito Juan de la Vega era um mulato afeminado. O chamavam de Cotita (que é o mesmo que mariquita), e o dito multato requebrava a cintura e trazia atado na frente um lenço chamado melindre que usam as mulheres e nas aberturas da manga de seu gibão branco, trazia muitas cintas pendentes e se sentava no chão ou no estrado como mulher e fazia tortilha, lavava e cozinhava”)Consta que após este violento progrom de 1658, novamente em 1673 mais sete mulatos, negros e mestiços de Mixcoac foram queimados, aí também ficamos em dúvida, se processados com todas as formalidades próprias do Santo Ofício, ou por iniciativa das autoridades civis, considerando ser a sodomia crime de foro mixto(53).Além destes homossexuais mexicanos executados na segunda metade do século XVII, encontrei nos Arquivos portugueses referências a mais quatro sodomitas vivendo na América Espanhola, até hoje desconhecidos pela historiografia local. O primeiro episódio remete-nos ao Vice-Reino do Peru em 1598: Frei João de Valencuela era natural de Xerez (Sevilha), frade carmelitano, doutor em Teologia e missionário do Peru, "mestre e grande pregador". Ao retornar dos Andes, em Badajos (Estremadura), foi preso pelos Familiares do Santo Ofício Portugês, acusado de dormir de portas trancadas com seu criado, o moço Joanillo, 13 anos. No desenrolar da investigação, foi acusado de "ser tão puto quantos putos havia em Itália", terra que no imaginário ibérico da época representava a própria reincarnação do Sodoma e Gomorra. Denunciaram mais: que apó missionar no Peru e na Nova Espanha, na caravela em que retornou à Europa, por pouco não foi jogado no mar pelos marinheiros escandalizados, com medo de Deus Nosso Senhor castigasse-os com desgraças e naufrágios, em castigo pela devassidão do frade somítigo. Apesar de alegar inocência, foi levado a tormento e condenado a quatro anos de reclusão no Mosteiro dos Carmelitas de Castilla, obrigado ao jejum de pão e água todas as quartas e sextas feiras.Para o século XVII - que representa o período de maior homofobia por parte da Inquisição - dispomos de mais dois processos. Bartolomeu Martins Moura, 40 anos, ourives, parte de cristão-novo, preso em 1655, foi julgado não só por professar secretamente a Lei de Moisés, como por práticas sodomíticas. No Santo Ofício declarou ter vivido dois anos na cidade do México e em Vera Cruz, sendo na ocasião estudante - talvez, colega de alguns daqueles outro sete estudantes sentenciados nesta mesma província em 1658.Este último caso relativo a um sodomita hispano-americano preso pela Inquisição de Lisboa é particularmente interessante, por reunir algumas especificidades históricas. O réu é natural do México: Pedro Medina, 30 anos, soldado. Ostentava imagem masculina, diferentemente de muitos outros sométicos afeminados: " tinha rosto trigueiro, cabelo preto com gadelhas sobre os ombros, barba preta, estatura madiana. Vestia calções amarelos com riscas verdes, gibão riscado de negro, tudo coisa da Índia". Seu pai era português, mudando para o México onde servia de escudeiro a um fidalga. Em Nova Espanha Pedro Medina nasceu, foi crismado na Sé do México, sendo oficiante D. Francisco Manso. Nada informam os documentos sobre sua vida erótica na terra natal. Feito soldado na armada castelhana, viajou por longínquos reinos do Oriente: Filipinas, Jacatará na Índia, China, caindo cativo dos mouros. Sofrendo violentos espancamentos de seu dono islamita, então na Pérsia, ocasião em que arrenegou a fé em Jesus Cristo, vivendo na Lei de Maomé, até que foi resgatado pelos calvinistas holandeses, permanecendo preso num navio, na costa do Ceilão, por meses seguidos. Novamente livre, após tantas peripécias, ao chegar em Lisboa, é denunciado ao Santo Ofício por um jovem de 20 anos, Manoel Rois, igualmente ex-prisioneiro dos batavos. Segundo este moço, nos 6 meses em que estiveram sob o jugo dos calvinistas, mantiveram mais de 120 cópulas sodomíticas, "metendo seu membro viril e derramando semente no vaso traseiro dele, confessante, e com consentimento dele, cometeram mais 80 vezes o nefando pecado de sodomia, sendo Pedro Medina o paciente. " O réu mexicano, por sua vez, ao ser preso, acrescentou que quando na India, também cometera o pecado de sodomia com um moço holandês, Cornélio, sendo agente e paciente, "uma só vez", e com João Batista, veneziano de 18 anos, prestaram culto à Vênus Prepóstera mais três ocasões. Foi condenado à aviltante pena dos açoites pelas ruas públicas de Lisboa e condenado a 5 anos de galés - um local tentador para quem estava tão acostumado a não resistir às pulsões homoeróticas embalado pelas ondas do mar...
Repressão aos sodomitas na América Latina colonial
"Raça sobre a qual pesa uma maldição e deve viver na mentira e no perjúrio, visto que sabe ser tido por punível e vergonhoso, por inconfessável, seu desejo, o que faz para toda criatura a maior doçura de viver."(M. Proust, 1921).
Apesar da sodomia ser considerada pela Cristandade como "o mais torpe sujo e desonesto pecado", punida como crime hediondo equivalente ao regicídio e à traição nacional, merecedores os homossexuais da pena de morte na fogueira, não obstante tamanho tabu e discriminação, à época das grandes descobertas, floresceu na Península Iberica intrépida e heróica sub-cultura gay nalgumas partes mais visível e ousada do que a existente em países europeus fora da esfera inquisitorial.Malgrado os anátemas dos missionários e primeiros cronistas contra os índios praticantes do mau pecado, a despeito da perseguição desencadeada pelos conquistadores e autoridades contra tal crime - lembremo-nos do cruel genocídio praticado por Vasco Balboa, em 1513, o qual, no istmo do Panamá, encontrando numeroso séquito de nativos homossexuais, prendeu quarenta deles que foram devorados por cães ferozes, conforme narra Pietro Martire e retrata dramatica gravura da época apesar da violenta perseguição homofóbica capitaneada pela Inquisição, o certo é que desde os primórdios da colonização, sodomitas europeus encontraram no Novo Mundo espaço privilegiado para a prática do homoerotismo. A extensão e isolamento dos novos territórios, a nudez e maior liberdade sexual dos nativos e escravos, a frouxidão moral dos muitos desclassificados sociais que vieram arriscar a sorte nas Américas, ou para cá foram degredados, são fatores que facilitaram a propagação da homossexualidade nas novas conquistas. Acrescente-se ainda outro elemento facilitador da homossexualização notadamente da América portuguesa: 18% dos sodomitas condenados ao degredo pelo Tribunal do Santo Ofício de Lisboa foram enviados para o Brasil, a maior parte deles reincidindo aqui no vício italiano.Salvo erro, o primeiro sodomita público e notório a pisar nas Américas de que temos notícia foi o jovem português Estêvão Redondo, criado do Governador de Lisboa, D. Manoel Telles, que arribou em Olinda, no nordeste brasileiro, em fevereiro de 1549, "degredado para sempre".Em 1558 é a vez do cirurgião Felipe Correia, inveterado fanchono com nítida tendência ao cross-gender ser degredado para o Brasil: "tinha fama de mulherigo por suas falas e jeitos, bufarão e paciente).Estabelecida em 1536, a Inquisição Portuguesa nunca conseguiu instalar um tribunal autônomo em terras brasílicas, diferentemente do que ocorreu com o Santo Ofício Espanhol, que desde 1571 inaugurou tribunais no México e Peru, e em 1610 em Cartagens de Índias, no litoral colombiano. Infelizmente ainda não foi realizado um inventário de todos os sodomitas latino-americanos presos e processados por estes tribunais de Santa Inquisição. Temos notícias que já em 1548 foram registrados sete casos sodomia na Guatemala, entre estes, o diácomo Juan Altamirano e seu cúmplice, frei José de Barrera, além de um índio, Juan Martin, que ao ser encaminhado para a fogueira foi salvo devido a um distúrbio provocado por quatro clérigos e outos civis. Levantamentos parciais informam sobre a prisão de 19 sométigos no México em 1658; nada consta nas principais obras sobre a atuação inquisitorial no Peru e Chile no tocante ao abominável pecado de sodomia.É para o Brasil que conseguimos localizar o maior número de registros documentais permitindo reconstituir com abundância de detalhes, as principais características da vivência homosexual dos colonos a partir dos finais do século XVI.No capítulo anterior vimos que entre 1591-1620, de um total de 283 culpas confessadas nas duas Visitacões que o Santo Ofício Lisboeta fez a diferentes Capitanias do Nordeste brasileiro, há registro de 44 casos de sodomia (15,5%), sendo, depois da blasfêmia, o desvio mais frequentemente praticado pelos colonizadores. Dos denunciados, 61% eram brancos, 24% mestiços de variegados fenótipos, 9% negros e 6% índios, predominando as relações sodomíticas entre parceiros de diferentes cores, os quais ocupavam toda gama de profissões: de Governador Geral do Brasil, como Diogo Botelho, a sacerdotes, senhores de engenho, funcionários públicos, militares, estudantes, feitores, criados, escravos etc.Tais relação entre homossexuais de cores-classes diferentes e muitas vezes antagônicas, nem sempre refletem a mesma lógica da dominação senhorial heterossexista, pois há vários exemplos de índios e negros que desempenharam o papel ativo quer na iniciativa da sedução, quer na própria relação copulativa, conforme demonstrei em meu trabalho "O Sexo cativo": Alternativas eróticas dos africanos e seus descendentes no Brasil Escravista" Após beneditinho levantamento nos mais de quatro mil denúncias e 400 processos de sodomia arquivados na Torre do Tombo de Lisboa, localizamos até o presente 283 denúncias de brasileiros ou portugueses, residentes no Brasil, infamados de praticarem o pecado de Sodoma. Destes, 32 foram processados, sendo 11 condenados à remar nas galés del Rei, alguns por cinco anos, outros para "galés perpétuas"; 6 foram degredados para áreas remotas da Colônia ou para Africa. Embora nenhum sodomita do Brasil tenha sido condenado à morte na fogueira, há registro da execução de dois homossexuais no Brasil colonial: em 1613, em São Luis do Maranhão, por ordem dos invasores franceses, intigados pelos missionários capuchinhos, um índio Tupinambá, publicamente infamado é reconhecido como tibira, foi amarrado na boca de um canhão, sendo seu corpo estraçalhado com o estourar do morteiro, " para purificar a terra de suas maldades" Em 1678, um segundo martir homossexual é executado na Capitania de Sergipe del Rei: um jovem negro, escravo, "foi morto de açoites por ter cometido o pecado de sodomia”.Quanto às lésbicas, como em 1646 o Santo Ofício Português deliberou excluir a sodomia foemiarum da lista dos crimes pertencentes à sua jurisdição, foi sobretudo nos finais do século XVI que as homossexuais femininas foram vítimas da sanha inquisitorial, mesmo assim, menos reprimidas que os homoeróticos masculinos. Das 29 denúncias de lesbianismo registradas no Nordeste brasileiro, entre 1591-1593, 5 receberam penas pecuniárias e espirituais, 3 foram degredadas e 2 condenadas a açoites públicos.Conforme já referimos, "o amor que não ousava dizer o nome" teve seus adeptos em todas as classes, raças e etnias do Brasil Colonial, sendo praticado tanto nas mansões senhoriais, como nos casebres de escravos e livres pobres; nas casernas, igrejas e mosteiros masculinos e femininos; na zona rural e urbana, incluindo tanto interações esporádicas e fortúitas, com diferentes parceiros, quanto relações estáveis, algumas por décadas seguidas. Em meu estudo "Desventuras de um sadomita português no Brasil Seicentista" reconstruo a vivência homossexual de um violeiro-mercador de fumo, Luiz Delgado e de seus numerosos amantes, primeiro em Évora, no Reino, depois degredado para o Brasil, vivendo ora no Rio de Janeiro ora na Bahia, onde concluo que malgrado a existência de legislação draconiana tanto civil quanto canônica, contra o crime de sodomia, houve espaço na América Colonial para o surgimento de uma incipiente sub-cultura gay, às vezes tímida e clandestina, outras vezes, exibida e frenética, comportando inclusive o exibicionismo desafiador de travestis. O primeiro homossexual travesti que temos notícia no Brasil foi um negro natural do Congo, Francisco Manicongo, escravo de um sapateiro, residente em Salvador, denunciado na Visitação de 1591: "recusava-se trazer vestido de homem que lhe dava seu senhor, [conservando] o costume dos negros gentios de Angola e Congo, onde os negros somitigios que no pecado nefando servem de mulheres pacientes, são chamados de quimbanda, os quais trazem um pano cingido com as pontas por diante que lhes fica uma abertura diante..."Também em Cuba há informação de práticas homófilas entre os escravos nos engenhos de cana de açúcar.Da mesma forma, índios já batizados, vivendo nos arredores dos primeiros núcleos coloniais do Brasil, são apontados como sodomitas, assumindo alguns ofícios e posturas geralmente atribuídas ao sexo frágil, outros acusados de "viverem como marido e mulher, como se amancebados fossem"Tudo leva a crer que também nos demais países latino-americanos, durante o período colonial, existiram não apenas cripto-sodomitas amorfos e isolados, mas um contingente não desprezível de sométicos que apesar de rotulados de maricas, eram suficientemente machos para exteriorizar suas preferências invertidas através de gestos, roupas e adereços próprios de uma sub-cultura sincrética e sui-generis. É para o México, além do Brasil, que dispomos de documentação comprovante de tal hipótese: no ano de 1658 foram denunciados 123 sodomitas vivendo na cidade do México e seus arredores, dos quais 19 foram presos e 14 queimados. Um destes escapou da fogueira por ser menor de 15 anos, recebendo contudo como castigo, 200 açoites e 6 anos de trabalhos forçados. Segundo comentava o Alcaide do Crime da Nova Espanha, D. Sotomayor, "o pecado nefando tem mui contaminado estas províncias", diagnóstico correto, pois dentre as mariquitas presas, constava alguns que por quarenta anos seguidos praticavam somitigarias, "se regalaban unos a otros", chegando a simular prenhez. Entre os denunciados predominavam os índios, mestiços, espanhois, mulatos e até mouriscos e portugueses. Dentre estes destacavam-se os domésticos ou escravos, seguidos dos estudantes e pequenos comerciantes.Como ocorria na península Ibérica, também os sométicos de Nova Espanha assumiam traços e características do sexo frágil, trazendo vestidos de mulheres e tratando-se com nomes femininos: entre os setenciados havia um mulato apelidado Cotita; os mestiços atendiam por La Zangarriana, La Estampa, La Conchita; um alfaiate era La Luma, outro, Las Rosas; o índio Martin tornou-se La Martina de los Cielos e um negro atendia por La Morosa. Eis como se comportava um destes sométicos mexicanos: "O dito Juan de la Vega era um mulato afeminado. O chamavam de Cotita (que é o mesmo que mariquita), e o dito multato requebrava a cintura e trazia atado na frente um lenço chamado melindre que usam as mulheres e nas aberturas da manga de seu gibão branco, trazia muitas cintas pendentes e se sentava no chão ou no estrado como mulher e fazia tortilha, lavava e cozinhava”)Consta que após este violento progrom de 1658, novamente em 1673 mais sete mulatos, negros e mestiços de Mixcoac foram queimados, aí também ficamos em dúvida, se processados com todas as formalidades próprias do Santo Ofício, ou por iniciativa das autoridades civis, considerando ser a sodomia crime de foro mixto(53).Além destes homossexuais mexicanos executados na segunda metade do século XVII, encontrei nos Arquivos portugueses referências a mais quatro sodomitas vivendo na América Espanhola, até hoje desconhecidos pela historiografia local. O primeiro episódio remete-nos ao Vice-Reino do Peru em 1598: Frei João de Valencuela era natural de Xerez (Sevilha), frade carmelitano, doutor em Teologia e missionário do Peru, "mestre e grande pregador". Ao retornar dos Andes, em Badajos (Estremadura), foi preso pelos Familiares do Santo Ofício Portugês, acusado de dormir de portas trancadas com seu criado, o moço Joanillo, 13 anos. No desenrolar da investigação, foi acusado de "ser tão puto quantos putos havia em Itália", terra que no imaginário ibérico da época representava a própria reincarnação do Sodoma e Gomorra. Denunciaram mais: que apó missionar no Peru e na Nova Espanha, na caravela em que retornou à Europa, por pouco não foi jogado no mar pelos marinheiros escandalizados, com medo de Deus Nosso Senhor castigasse-os com desgraças e naufrágios, em castigo pela devassidão do frade somítigo. Apesar de alegar inocência, foi levado a tormento e condenado a quatro anos de reclusão no Mosteiro dos Carmelitas de Castilla, obrigado ao jejum de pão e água todas as quartas e sextas feiras.Para o século XVII - que representa o período de maior homofobia por parte da Inquisição - dispomos de mais dois processos. Bartolomeu Martins Moura, 40 anos, ourives, parte de cristão-novo, preso em 1655, foi julgado não só por professar secretamente a Lei de Moisés, como por práticas sodomíticas. No Santo Ofício declarou ter vivido dois anos na cidade do México e em Vera Cruz, sendo na ocasião estudante - talvez, colega de alguns daqueles outro sete estudantes sentenciados nesta mesma província em 1658.Este último caso relativo a um sodomita hispano-americano preso pela Inquisição de Lisboa é particularmente interessante, por reunir algumas especificidades históricas. O réu é natural do México: Pedro Medina, 30 anos, soldado. Ostentava imagem masculina, diferentemente de muitos outros sométicos afeminados: " tinha rosto trigueiro, cabelo preto com gadelhas sobre os ombros, barba preta, estatura madiana. Vestia calções amarelos com riscas verdes, gibão riscado de negro, tudo coisa da Índia". Seu pai era português, mudando para o México onde servia de escudeiro a um fidalga. Em Nova Espanha Pedro Medina nasceu, foi crismado na Sé do México, sendo oficiante D. Francisco Manso. Nada informam os documentos sobre sua vida erótica na terra natal. Feito soldado na armada castelhana, viajou por longínquos reinos do Oriente: Filipinas, Jacatará na Índia, China, caindo cativo dos mouros. Sofrendo violentos espancamentos de seu dono islamita, então na Pérsia, ocasião em que arrenegou a fé em Jesus Cristo, vivendo na Lei de Maomé, até que foi resgatado pelos calvinistas holandeses, permanecendo preso num navio, na costa do Ceilão, por meses seguidos. Novamente livre, após tantas peripécias, ao chegar em Lisboa, é denunciado ao Santo Ofício por um jovem de 20 anos, Manoel Rois, igualmente ex-prisioneiro dos batavos. Segundo este moço, nos 6 meses em que estiveram sob o jugo dos calvinistas, mantiveram mais de 120 cópulas sodomíticas, "metendo seu membro viril e derramando semente no vaso traseiro dele, confessante, e com consentimento dele, cometeram mais 80 vezes o nefando pecado de sodomia, sendo Pedro Medina o paciente. " O réu mexicano, por sua vez, ao ser preso, acrescentou que quando na India, também cometera o pecado de sodomia com um moço holandês, Cornélio, sendo agente e paciente, "uma só vez", e com João Batista, veneziano de 18 anos, prestaram culto à Vênus Prepóstera mais três ocasões. Foi condenado à aviltante pena dos açoites pelas ruas públicas de Lisboa e condenado a 5 anos de galés - um local tentador para quem estava tão acostumado a não resistir às pulsões homoeróticas embalado pelas ondas do mar...
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Gays e lésbicas latino-americanos hoje
Gays e lésbicas latino-americanos hoje
Com o fim das Inquisições Portuguesas e Espanholas, também na América Latina são extintos os Tribunais do Santo Ofício, em 1820 no Peru e México, em 1821 em Cartagena e no Brasil. Extingue-se o Monstrum Horribilem mas infelizmente, com mentalidades não se mudam decreto, até hoje persiste na América Latina o espectro inquisitorial não apenas na ideologia moralista e intolerante, como na composição das elites locais, cujas cepas mais tradicionais, em muitas áreas , descendem ainda hoje, diretamente, dos terríveis Familiares e Comissários do Santo Ofício.Diversos países latino-americanos, entre eles o Brasil, com a Independência, por inspiração modernizante do Código Napoleônico, discriminalizaram a sodomia, deixando de constar nos novos Códigos Penais, muito embora persista entre nós, forte preconceito e discriminação contra os praticantes desta variante amorosa. Sob alegação de atentado ao pudor ou prática da prostituição, incontável número de pederastas contiuam sendo chantageados, encarcerados e torturados pelos agentes da nova ordem policial. Apesar de muitos médicos e cientistas trabalharem por retirar os invertidos sexuais das delegacias e prisões, para tentar sua cura em seus ambulatórios e clínicas, na qualidade de cães de guarda da moral oficial, estes doutores, no afã de regenerar tais desvios, adotaram às vezes modernas formas de violência, torturando as indefesas mariquitas com terapias doloridíssimas que chegaram a incluir choques elétricos, doses cavalares de hormônios e perigosos produtos químicos e até o transplante de testículos de macacos.Suicídio, clandestinidade total, baixa estima, marginalidade, assassinatos, passaram a ser o pão de cada dia de milhares de uranistas latino-americanos, rechaçados dentro de suas próprias famílias, humilhados nas ruas, barrados no acesso ao trabalho. Pesquisas levadas a cabo no Brasil, país considerado um dos menos homofóbicos da América Latina, revelam que dentre todas as minorias sociais, gays e lésbicas são os mais odiados, ódio manifesto num continuum que inclui o insulto verbal, o tratamento depreciativo nos meios de comunicação, a violência física nas ruas, prisão arbitrária, assassinatos. No México, até hoje os gays são apelidados de cuarenta e uno em alusão aos 41 maricones presos numa só noite no ano de 1901, os quais foram submetidos a humilhantes castigos, obrigados a varrer as ruas da capital e lavar as latrinas públicas). Também na Argentina, nos anos 30, as festas reunindo homossexuais "terminavam muitas vezes com a chegada imprevista da polícia, sobretudo na época em que era mais urgente a limpeza periódica dos vidros da chefatura, tarefa para a qual os vigilantes elegiam sempre aos maricas, obrigados então a entregar- se com trapos, sabão e água, ao feminino porém nada agradável trabalho"Nos últimos anos, a imprensa vem noticiando repetidamente o homicídio de centenas de gays, travestis e lésbicas no México, Colômbia, Equador e sobretudo no Brasil, onde há documentação comprovando que nos últimos 15 anos, mais de 1200 homossexuais foram violentamente assassinados, vítimas de crimes homofóbicos, perfazendo uma média de um assassinato de homossexuais a cada cinco dias.Para reagir contra este verdadeiro genocídio e contra as não menos crueis discriminações de que são vítimas mais de 10% dos latino-americanos homófilos , em sitonia com o reconhecimento internacional de que a homossexualidade não e doença nem desvio, mas uma orientação sexual tão legítima, normal e saudável quanto a heterossexualidade ou a bissexualidade, alguns anos após a famosa rebelião gay ocorrida em Nova York em 1969, considerada o marco inicial e símbolo do moderno movimento homossexual internacional, também na América Latina gays e lésbicas vêm se organizando para ter os mesmos direitos humanos dos demais cidadãos.Foi na Argentina onde se organizou o primeiro grupo de defesa dos direitos de gays e lésbicas: em 1971 é fundada a Frente de Liberación Homosexual que passou a editar o primeiro boletim homossexual do Continente Sul, o Somos. Logo no ano seguinte são fundados no México duas entidades congêneres: Sex-Pol e Frente de Liberación Homosexual. Em 1978 é a vez do Brasil entrar na luta pela cidadania dos homossexuais: nosso primeiro grupo gay chamou-se Somos, fundado em São Paulo e logo ramificado para outros estados da federação. Em 1979 uma facção deste grupo organiza o LF, Lésbico - Feminista, que passou a editar o boletim Chanacomchana. Quando da realização do I Encontro Brasileiro de Homossexuais, em 1980, já existiam mais de vinte grupos gays e lésbicos de norte a sul do país: hoje ultrapassam meia centena. Em l980 fundamos o Grupo Gay de Bahia, que tornou-se a mais combativa entidade do continente sul.Peru também teve seu Movimento Homosexual de Lima (MHOL) fundado ainda nos inícios dos anos 80, possuindo sede no centro da cidade onde presta assistência psicológica e jurídica aos homossexuais. Como os demais grupos aqui citados, com o surgimento da epidemia da Aids, tais entidades passaram a dedicar-se também à prevenção do HIV, contribuindo com os governos locais e com outras Organizações não-Governamentais (ONGs/AIDS) na prevenção desta síndrome.O estudo da etno-história da homossexualidade na América Latina desde os tempos pré-colombianos até à atualidade revela-nos de um lado o preconceito irracional e cruel contra gays, lésbicas e travestis - cuja identidade existencial e expressão afetivo-sexual foram secularmente considerados o mais grave pecado e o crime mais hediondo, ambos merecedores da pena de morte.Venezuela também teve sua organização homossexual, hoje inativa: Grupo Entendido, o qual, em l983, denunciou junto à Anistia Internacional uma série de maltratos praticados pelas forças policiais contra os frequentadores dos espaços gays locais.México, devido à vizinhança com os Estados Unidos, onde o movimento homossexual é extremamente forte e organizado, e graças ao contacto com os chicanos homófilos, é o país hispano-americano onde os gays e lésbicase estão mais organizados: já chegaram a realizar manifestações de rua com mais de quatro mil maricones y tortilleras. Além de dezenas de grupos homossexuais, destacando-se o Grupo Orgullo Homosexual de Liberación, Y Que!, Colectivo Sol, com atuação na Capital e em Guadalajara e Tijuana, dispõem os atuais veneradores da deusa Xochiquetzal de alguns serviços de apoio, como o Centro Comunitário Gay, Grupo para Alcoólatras e Neuróticos Homossexuais, além de um templo filial da Igreja da Comunidade Metropolitana, a primeira igreja homossexual do mundo(73).Há países latino-americanos onde ainda persistem leis que penalizam os homossexuais: Nicaragua, Cuba e Equador, inviabilizando o surgimento de movimento organizado em defesa de cidadania dos gays e lésbicas. No Uruguai, Bolívia e Paraguai, e nos demais países da América Central e Caribe, os homossexuais ainda não se organizaram para defender seus direitos humanos. O Chile oferece motivo para reflexão: logo após os anos lúgubres da ditadura militar, surgiram alguns grupos bastante dinâmicos, como o Movimento Homosexual y Lesbico de Chile, o Colectivo Lésbico Feminista. Em 1992 realizou-se em Santiago o 1°Encontro Sul-Americano de Grupos Gays e Lésbicos, com um detalhe auspicioso: este encontrou contou com o apoio tático da Comunidade Quaker, um gesto histórico e pioneiro de respeito e solidariedade humana partindo de uma entidade cristã latino-americano.O estudo da etno-história da homossexualidade na América Latina desde os tempos pré-colombianos até à atualidade revela-nos de um lado o preconceito irracional e cruel contra uma minoria social, os gays, lésbicas e travestis, cuja identidade existencial e expressão afetivo-sexual foram secularmente considerados os mais graves pecados e o crime mais hediondo, ambos merecedores da pena de morte.Ao resgatar esta micro-história tão marcada pela intolerância e violência, três são nossos objetivos: primeiro, quebrar o silêncio e desmistificar o tabu que ainda hoje persistem vis-a-vis a homossexualidade, tornando-a tema sério merecedor de mais estudos e pesquisas pelas diferentes áreas do conhecimento científico; segundo, ao abordar a evolução da homossexualidade masculina e feminina neste meio milênio de história latino-americana, tivemos como escopo demonstrar a universalidade temporal e espacial desta manifestação humana, avançando no conhecimento empírico de certas áreas culturais até então pouco divulgadas nos meios acadêmicos; terceiro, tivemos como preocupação demonstrar que a homofobia, assim como o racismo e o machismo, são frutos podres de variegadas matrizes culturais que se exarcebaram em nosso continente em grande parte como resultado de nosso triste passado escravista, e como tal, emergem como facetas de uma ideologia perversa e desumana, que só poderá ser superada através das luzes da ciência e pelo bom senso dos códigos internacionais de direitos humanos.Apesar do quadro ainda sombrio e das freqüentes violações dos direitos de cidadania dos homossexuais latino-americano, tudo nos leva a crer que dias melhores começam a brilhar para tal minoria social: até os inícios do século passado, quando da extinção do Santo Ofício da Inquisição, a homossexualidade era crime condenável à morte em todo Continente Latino-Americano. Hoje, a América Latina caminha em sentido inverso: à imitação do que ocorre a décadas nos mais civilizados países do primeiro mundo, no Brasil, em 73 Municípios e em três Estados da Federação, as Constituições locais proíbem expressamente qualquer discriminação baseada na orientação sexual. Ontem, era crime ser homossexual. Hoje o crime é discriminar o homossexual.
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